13.7.21


Escritor Mistério


Aquele dia foi épico! O Teseu derrotou o Minotauro e tornou-se um dos maiores heróis da escola. O Minotauro representava tudo o que de mal acontecia naquela escola. O opressor que intimidava e ameaçava os mais indefesos. Ainda bem que alguém o meteu no sítio! Esta foi uma vitória pela qual todos aguardaram e o Teseu, defensor dos mais fracos e oprimidos, tornou-se um símbolo dos mais indefesos. Nesse ano letivo houve uma série infindável de palestras e workshops que serviram para abordar e debater o bullying e o cyberbullying. Os alunos começaram a encarar estes fenómenos de uma maneira totalmente diferente e, desde o sucedido, quer as denúncias feitas pelas vítimas como os castigos aplicados pela direção aumentaram consideravelmente. Convém adiantar que, nesse mesmo ano, o Minos foi condenado por branqueamento, fraude e evasão fiscal. O Dédalo candidatou-se a um programa de apoios comunitários e abriu um ateliê na Sicília. Nunca mais voltou ao Olimpo e tornou-se um arquiteto de fama internacional. Já o Minotauro, deixou de estudar para trabalhar com a sua mãe na ganadaria do padrasto. Dizem que amansou e que está a pensar em casar e ter filhos. Quanto ao Teseu e à Ariadne, cuja relação amorosa corre na perfeição, aproveitaram um fim de semana prolongado para visitarem a formosa ilha de Naxos numa espécie de lua-de-mel sem casamento à vista. Quem ficou a tomar conta do “Labirinto”, até ambos regressarem, foi precisamente o meu amigo Dioniso. Ele tem experiência ao nível da restauração e da recreação. Não terá dificuldades em tomar conta do recado. O deus do vinho não sabe dizer que não à bela Ariadne. Nota-se que tem uma queda pela rapariga. Nunca se sabe. Por vezes o futuro guarda-nos as surpresas mais inesperadas. Até pode ser que eles venham a ser mais do que simples amigos. Por enquanto, fica a tratar do café. Já não é mau. Nem para ele, nem para nós! É por isso que, agora, vamos mais vezes ao Labirinto. Para estar com ele e na expectativa de que, se estiver bem disposto, talvez nos ofereça umas bebidas!
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O nosso professor de geografia, o Atlas, é um dos titãs que esteve na famosa titanomaquia. Ele é imponente como um rochedo e as suas mãos são tão grandes que consegue agarrar uma bola de basquetebol como se fosse uma laranja. Todos lhe têm imenso respeito e os alunos estão sempre a pedir-lhe para contar as suas façanhas na grande batalha. Ele não gosta muito de falar de si próprio ou de se vangloriar, mas lá vai partilhando um ou outro episódio. O professor tem umas sobrancelhas grossas e o ar impávido e sereno de um guerreiro que já assistiu às maiores crueldades. Devem ter sido tempos horríveis os que se viveram antes de haver o Olimpo. Nem quero imaginar. Embora ele tenha sobrevivido à vitória dos deuses, que o deixaram viver, as lutas deixaram as suas sequelas. O Atlas tem sérios problemas de saúde. A sua coluna está tão danificada que, de um momento para o outro, ele fica paralisado e temos de chamar uma ambulância. O homem é um lutador e recusa-se a pedir a reforma antecipada, mas está a tentar evitar o inevitável. A sua primeira vértebra da coluna cervical ficou tão afetada que comprimiu o nervo ciático e deixou-o praticamente inválido. Nunca mais será o mesmo. Cambaleia pelos corredores com trejeitos de um aleijado, como se carregasse o peso do mundo inteiro nas costas, recusando-se a usar bengala ou a pedir ajuda. No Olimpo não há ninguém que domine a geografia e o mapa mundo como ele. Sabe-o de cor, de uma ponta à outra, e quando há tempo, ainda nos ensina um pouco de astronomia. Diz que foram as suas sete filhas plêiades que lhe passaram o “bichinho” de ler as constelações no céu. Uma delas, a Electra, também é aluna aqui na escola. A rapariga tem um adoração pelo pai. Não o larga um minuto! Quanto às suas outras sete filhas, as hespérides, são mais viradas para a botânica e jardinagem. São elas que tratam do jardim mais bonito do Olimpo! É um espaço verdejante e frondoso, que deixa qualquer curioso inebriado pelas suas cores e perfumes. O jardim é visitado por milhares de estudiosos, que vêm ao Olimpo para observar as espécies mais raras e valiosas do mundo. Tem plantas que não se encontram em mais nenhum lado do mundo e uma das suas maiores atrações é o pomar das maçãs douradas. O jardim das hespérides é do tamanho de uma pequena vila e, como nas últimas décadas tem sido a sua esposa oceânide Pleione a fazer as visitas guiadas, o professor Atlas acabou por ficar a conhecê-lo como a palma da sua mão. Às vezes, quando se sente melhor das costas, ele leva-nos até lá. Mostra-nos uma data de esconderijos, lugares recônditos, pantanosos e inacreditáveis, onde crescem plantas imortais, que só ele e a sua mulher sabe onde estão. Há um dragão em pedra, que contorna um dos lagos com as suas cem cabeças e uma língua que se enrola às macieiras de oiro, assim como pequenos bosques onde se ouvem os faunos a tocar. É uma experiência inesquecível! Hoje, o professor Atlas vai falar sobre o oceano Atlântico e o mito da Atlântida. Gosto muito da forma como ele conduz as suas aulas, projetando fotografias antigas e recorrendo a vídeos de animação e a testemunhos de grandes exploradores. Enquanto ele escrevia no quadro interativo, aproveitei para perguntar ao Poseidon o que tinha acontecido ontem à tarde no café Labirinto. Contaram-me que os atenienses se pegaram com os cretenses e meteu polícia à mistura! Houve cadeiras partidas, vidros quebrados e alunos detidos! No outro canto da sala, reparei no Ares a mudar de mesa para ficar mais perto da Afrodite. Fê-lo de uma forma tão subtil, que quase ninguém se apercebeu. Sentou-se mesmo atrás dela e, de minuto a minuto, ia-lhe sussurrando ao ouvido. Pareciam alheios a tudo, como se nada mais interessasse. O deus da guerra não faz ideia no que se está a meter. São terrenos pantanosos, onde se pode afundar muito facilmente. Por coincidência ou não, hoje o Hefesto faltou às aulas e a Afrodite está como quer. A jovem deusa do amor e da beleza é influencer. Tem vários perfis e canais nas redes sociais, nomeadamente dois canais no YouTube, onde exibe cremes para a acne e outros produtos cosméticos que a patrocinam. No fundo, ela vive disso. Tem uma equipa de amigas chegadas que tratam dos conteúdos e do marketing digital. Assim, pode dedicar-se inteiramente às suas excentricidades e vaidades e flirts. Está como quer, embora não deixe nada ao acaso. No conjunto, a sua rede de sites e aplicações já movimenta uns largos milhares de euros. Não passa de um negócio onde ela pode partilhar dicas de beleza e truques de maquilhagem para as jovens humanas menos confiantes se sentirem autênticas deusas. A Afrodite sabe que é uma das mais bonitas da escola e não desperdiça a oportunidade que as suas qualidades lhe conferem. Ela usa e abusa do seu Instagram como se este fosse uma arma onde se exibe em diferentes poses. Não há dia em que não se fotografe com diferentes marcas de roupa e acessórios, de forma a antecipar as novas tendências de moda no Olimpo. O seu poder de influência é tamanho que basta ela usar um cachecol numa sexta-feira que, na segunda-feira seguinte, mais de metade das alunas aparecem na escola com um idêntico ou semelhante. A prova disso é o seu famoso cinturão, que já vendeu milhões de exemplares. Tudo o que ela veste, passa a ser cobiçado. Ainda assim, a deusa do amor está longe de ser amorosa. Desenganem-se os que olham para aquela pérola saída de uma concha com cabelos de oiro, lábios rosados e olhos cor de mar, sem terem a mínima noção do que está por dentro. A sua voz doce e delicada, os seus gestos femininos e meigos, o seu andar sedutor e a sua silhueta invejável encobrem uma rapariga vaidosa, mimada e sem escrúpulos, que foi criada num berço de ouro e se porta como uma autêntica vedeta. Não há bela sem senão e, se for preciso, ela é capaz de espezinhar quem quer que seja sem piscar uma das suas longas pestanas. Basta alguma rapariga se equiparar a ela no que respeita à beleza ou à popularidade, para estar em maus lençóis. Então, se for humana, ainda pior. A Afrodite não tolera que lhe roubem o prestígio e a fama. E quando vê que está a ser ultrapassada ou arredada do centro das atenções, é capaz de tudo. Foi o que aconteceu com a pobre Psique. Era uma aluna tão bonita que, por onde passava, deixava os rapazes boquiabertos. O seu charme espalhou-se de tal forma, que a Afrodite começou a invejá-la e ordenou que a vigiassem de perto. Não a convidava para as suas festas, não a aceitava nas suas redes, não a deixava entrar nos seus grupos de amigos e perseguia-a para todo o lado, infernizando-lhe a vida. Chegou a boicotar-lhe uma festa de aniversário e a humilhá-la no WhatsApp, somente por ela lhe fazer sombra. A Afrodite pode ter uns olhos que reluzem como diamantes, mas nasceu com um coração de pedra. Outra das suas vítimas foi o aluno Hipólito, que a deusa da beleza andou a cortejar e a namoriscar, sem grande sucesso. O jovem humano só tinha olhos para a deusa Artémis. Era escusado. Quando a deusa da caça lhe mandava um beijinho à distância, fingindo que lançava uma borboleta a voar, o Hipólito ficava com aquele sorriso do cão que fez um truque e está à espera do biscoito. Claro que, como a Afrodite não está habituada a ser rejeitada, ficou possessa. A deusa da beleza não aceitou a indiferença de um mero humano e atribuiu as culpas à Artémis, acusando-a de lhe andar a meter “bichinhos na cabeça”. Desde então, nunca mais se entenderam. A Artémis diz que não quer nada com a “princesa fofinha” e a Afrodite acusa-a de ter hálito de javali e modos de urso. Pelo sim, pelo não, os professores puseram-nas bem afastadas uma da outra na sala de aula. É melhor assim. Mais cedo ou mais tarde, a Afrodite acabará por se querer vingar. Está-lhe no sangue.

Amanhã de manhã visitaremos o Jardim das Hespérides. Estou ansioso por ver como a Afrodite e a Artémis se vão dar durante a visita de estudo! Espero que não se peguem outra vez!